quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Lágrimas

Gabriel não me ligou nem deu sinal. Eu estabeleci um prazo para eu mesmo procurá-lo. Se ele não aparecesse na sexta, seria o momento.


Mas não foi Gabriel quem ligou primeiro.
– Alô... – Respondi para um número que não constava na agenda eletrônica do telefone.


 – Jack? Sou eu... O Gabriel ainda não chegou, chegou? – Era Aretha. Apesar dela não falar, eu reconheci. Ao telefone, sua voz era quase idêntica a de sua mãe. Um pouco mais rouca apenas.
– Ainda não, Aretha... Quer que eu peça para ele ligar quando chegar? – Resolvi agir como se nada soubesse. Essa história estava começando a me aborrecer, e também não quis dizer a ela que havia a possibilidade dele não vir.


– Não. Eu queria mesmo era falar com você... Posso ir aí? – Comigo?! O que era agora? Eu não me formei em psicologia pós-adolescente, meu Deus!
– Pode... Pode sim... – O que eu poderia responder? Ainda me sentia culpado pelo último domingo.

– Estou indo pra aí agora. Obrigada, Jack! – E desligou.

Eu não fazia a menor idéia do motivo dela agradecer. E passei os exatos 48 minutos que ela levou pra chegar tentando adivinhar.


Ela tocou a campainha e comportadamente me esperou abrir. Em compensação desabou em cima de mim no instante seguinte. Ficou um tempo ali. Abraçada a mim e chorando. Não disse nada. Nem eu.


Quando finalmente parou, levantou a cabeça, olhou nos meus olhos e pediu desculpas. Eu me senti estranho. Um pouco tonto.
– Te desculpar de quê?


– Essa cena... Eu...
– Tudo bem, Aretha...


– Gabe terminou comigo... – Eu finalmente entendi, mas permaneci calado. Pelo menos alguma atitude ele havia tomado. – Não quero ir pra casa... Não quero que meus pais me vejam assim... Vão me perguntar e...
– Ta tudo bem, anjo, você não precisa se justificar... – Ela não conseguia me soltar.


Depois de outro minuto de silêncio, eu resolvi falar:
– Eu acho que o Gabriel está um pouco confuso.
– Ele está apaixonado pela Alanis, Jack.


Aretha relaxou os braços e olho pra mim. Como ela sabia?
– Gabriel te falou isso?
– Ele não precisou falar... Eu senti... Não quis acreditar, e acho que nem ele, mas é isso... E eu... Não vou mexer uma palha...


– Mas você não disse que o amava?
– Mas eu amo a Alanis também... É minha amiga de infância, Jack.


Aretha me abraçou novamente. Cada vez que ela fazia isso, meu coração descompassava. Eu não estava gostando disso.
– Mas a Alanis está namorando o seu irmão... – De fato, não era mais ironia... Parecia mais um deboche do destino.
– Isso não muda o que o Gabe sente...


Sim, ela estava certa.
– Vou fazer um chocolate pra gente, o que acha?

Ela apenas assentiu com a cabeça. Mas não me largou.


– Preciso ir até a cozinha, anjo.
– Então eu vou com você... – Disse ao me deixar.


Aretha subiu e sentou numa das bancadas. Eu olhei descrente. Ela é tão controversa... Acabara de me dar uma aula de maturidade na sala, e agora agia como uma moleca, empoleirada no móvel da cozinha.


Eu sentia o olhar da menina me acompanhando enquanto eu preparava a nossa bebida quente. Mas ela nada falou.


Dei a ela uma caneca cheia e perguntei:
– O que você está cursando? – Eu não aguentava mais aquele silêncio perturbador.
– Engenharia... Infelizmente não herdei nenhum dos dons artísticos da mamãe... Sou um desastre com qualquer instrumento musical. Em compensação herdei o QI do meu pai. Acima da média... Tenho que me conformar com isso, porque algumas amigas minhas me acham anormal.


Eu tive que rir.
Falamos mais algumas amenidades e isso serviu para distraí-la. Com certeza não seria por muito tempo.


E quando acabamos, ela se despediu.
– Obrigada, J. – Agora eu já era J? – Eu vou embora... O Gabe não deve demorar pra chegar.
– Lamento que tenha que ser assim, Aretha.


Ela me deu um beijo suave no rosto.
– Está doendo, mas em alguma hora vai passar, vai?

Eu não sabia se ia. De verdade.


Aretha acertou quando falou sobre a chegada de Gabe. Foi um alívio que tivesse decidido vir, depois da discussão de quarta.


Como sempre, ele estava arrependido. Meu filho não é como vinha se mostrando. Ele é um garoto bom. Eu prefiro culpar a mim pelos seus erros. Eu o superprotegi como já disse antes.
– Desculpe, pai.
– Está tudo bem, Gabe.


Ele me abraçou e por instantes pensei que a cena da manhã iria se repetir com ele. Mas Gabe segurou as lágrimas.
– Eu... Terminei com ela, pai...

Eu apenas escutei.


– Foi tão difícil! Sabe... Ela me fascina, eu sinto uma atração quase irresistível pela Aretha, pai! Ou pelo seu jeito, eu não sei... Na verdade, ela me deixa louco... Mas... Eu sei que é físico. Não consigo me entregar mais que isso, e eu não estava sendo justo.


– Quando fui falar com ela... Eu quase desisti. Quando ela olha pra mim... Eu tenho vontade de abraçar e colocar no colo...

Eu bem sei do que ele está falando. Eu sofri os efeitos daquele olhar durante muito tempo.


– Então foi horrível... Ela chorou e eu me senti um monstro! Mas que droga!
– Você não foi um monstro, Gabe... Seria se não desse uma satisfação, ou continuasse com essa enrolação, meu filho.


– Eu sei, mas isso não faz com que eu me sinta melhor. Eu vou pro meu quarto... Não estou com nenhum humor.


Eu compreendia atitude do meu filho, embora soubesse que ficar trancado no quarto não ia resolver nada. Daí que dei a Gabriel o espaço que ele precisava, e cuidei da minha vida.



4 comentários:

  1. Controversa... rsrsrsrsrsrs
    Eu discordo do J, dependendo do que você faz ao se isolar, pode ajudar... Mas para um extrovertido é tão difícil aceitar as atitudes de introversão!
    Seja como for, o anjo se recobrou!
    Amo! bjosmil *.*

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  2. Tem razão, Mita, depende do isolamento. E bom, ele não disse que não ajuda... Só que não resolve... É possível elaborar um cheque-mate no xadrez usando só o raciocínio, mas as peças não vão se mover só com a força do seu pensamento. Assim como dificilmente ganhará a partida se mover as peças com irreflexão.

    Acho que Jack crê que não adianta apenas uma coisa ou outra. Mas de qualquer forma este também me parece o pensamento de um extrovertido... XD

    Tomara que tenha se recobrado... Será? =|

    Obrigada, Mitaaaaaaaaa! =D

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  3. Bom... Eu acho que é muito difícil para um extrovertido entender que para um introvertido o tempo para pensar é fundamental para digerir e refletir sobre a melhor forma de lidar com o assunto.
    Falei em ajudar, mas também acho que pode resolver, pelo menos o conflito interno da pessoa. Afinal o introvertido vê seus problemas e tenta resolvê-los de dentro para fora e o extrovertido busca resolvê-los do lado de fora. É só uma forma diferente de encarar a vida, o que não torna um melhor ou pior que o outro.
    A verdade é que a sociedade ocidental só aceita o meio extrovertido de ser. Busca sempre mudar o introvertido para se encaixar ao padrão, ele pode até se encaixar, mas não vai ser feliz assim.

    Não estou dizendo que é o caso do Gabe na história... Apenas que poderia ser.
    Eu sei que o anjo não está ainda cem porcento, mas pelo menos ele acabou seu namora com a Aretha, por isso ganhou pontos de volta!

    bjosmil *.*

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  4. É, acredito que não é só o introvertido que sofre essa pressão. A sociedade cria padrões e tenta enquadrar todo mundo dentro destas "fôrmas". Quem não se encaixa acaba sendo mesmo incompreendido e às vezes até hostilizado, o que é uma lástima.

    Ah, acho que Gabe é sim, mais pra intro... Bem diferente de seu pai, realmente! ;]

    Bjks!

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