Passou Tão Rápido...

Com tudo o que estava acontecendo em minha vida, eu tinha me perdido completamente no calendário. Não que normalmente eu prestasse atenção, visto que minha agenda antes de Aretha andava às moscas.

Mas me dei conta, ao de repente perceber a decoração ao meu redor. Estávamos no fim do ano, é claro! Isso me trouxe uma enxurrada de preocupações, que ia da compra dos presentes até a reunião e a ceia da noite de Natal.

Eu havia me acostumado a largar isso na mão da Ana e da Júlia. Elas sempre organizavam tudo aqui em casa, eu só precisava estar presente. Mas era tudo diferente.

– Pai... Pode deixar. Eu já estou acostumada a ver isso. Não se preocupe. – Alegava Júlia tentando me fazer desistir de acompanhá-la ao supermercado.
– Eu quero me sentir útil, posso?

Mas não era só isso. O problema maior era resolver quem estaria na festa.
Marley passava o Natal conosco desde que Gabriel nasceu. Com o tempo, trouxe com ele Carmita e Alanis. O Herman, que nunca dava certeza mas sempre aparecia, só ou acompanhado, sóbrio ou ébrio, nem que fosse quase manhã. E ano passado Ronaldo, Clarissa e Maria também passaram aqui com a gente.

– Vamos nos dividir, tá legal? Compre um lanche pra gente, pra mais tarde.
– Está bem. – Eu desisti.

A situação agora era outra. Sei que Marley e Ronaldo gostariam de vir, mas não sei o que Carmita e Clarissa pensavam mais a meu respeito. Meus amigos sempre desconversavam quando eu perguntava. Ainda por cima, Alanis estava namorando o Thales. Isso era uma complicação a mais.

E a Ana. Ana e Aretha. Aretha viria? Acho que não. Se viesse, Ana viria? Por mais benevolente que fosse sua alma, também acho que não. Mas não posso negar que tive a mórbida curiosidade de saber como seria uma reunião de Natal destas, com todo mundo, sem exceção, reunido.

Eu estava considerando, enquanto andava idiotamente pelos corredores do mercado, pois Júlia tinha se apoderado do carrinho. Eu já tinha pegado algumas porcarias. Mas parei ao ouvir uma voz conhecida.
– Mãe, olha! É o tio J!

Ah! Não!

Rosa. Conheci a Rosa quase ao mesmo tempo que a Tara. Elas entraram juntas na UNESim e foram parar na mesma república que nós, do Hell’s, morávamos. A mesma também que a do primo do Otto, o Mark.

Rosa nunca teve problema pra dizer o que pensa, e embora tivesse ingressado na UNESim como uma “patricinha” bem fútil, saiu de lá uma mulher e tanto, além de melhor amiga de Tara e namorada de Otto, nosso vocalista.

Ela não pareceu nem um pouco animada em me encontrar, como ficou seu filho, o João.
– Fala, tio J! – Ele me cumprimentou do seu jeito.
– E aí, Joca! Tudo bem?

Rosa se aproximou um tanto sem vontade.
– Oi, Rosa. – Tomei a iniciativa.
– Oi, Jack... – Ela respondeu ainda sem nenhuma expressão.

Então se virou para o filho:
– João, volte na sessão de laticínios e pegue uma caixa de leite, por favor.
– Mas mãe! Você disse que a gente não precisava de leite!

– Mas resolvi fazer bolo e rabanada! Que mania de retrucar, menino! Vá lá! Não discuta!
– Ai, tá bom! Tá bom! – João saiu resmungando, mas foi. – Que mulher indecisa!

E a mãe pôde voltar sua atenção pra mim.
– Vamos lá, Rosa, manda bala! – Facilitei.
– Sabe, Jack... Quando Tara foi bater na minha porta aquela noite, completamente abalada e sem chão, eu jurei que se Mark não o matasse eu mesma o faria.

Eu ainda estava vivo, então alguma coisa estava errada. Ela continuou frente a meu silêncio:
– Só que... Aretha me forçou a ouvir a versão dela da história. Como sua madrinha, era o mínimo que eu podia fazer, mesmo que me negasse a querer entender... Mas a maneira como ela colocou as coisas foi tão... Sincera e apaixonada, Jack... Não consegui te odiar, apesar de desejar isso com todas as minhas forças. E então eu me odiei por não conseguir odiar você! Tara é minha melhor amiga e não consegui compartilhar a dor dela, apesar de ser solidária. Eu pude compreender minha sobrinha.
– Obrigado, Rosa.

– Não me agradeça. Eu ainda não gosto disso. Entendo, mas não gosto. Eu espero um dia achar tudo muito normal... Mas não já... Eu acompanhei o que a Tara passou com você, J. E antes e depois dela, a Vivi... – Rosa enfatizou o “e”. – Não estou apontando culpados! – Completou, antes que eu pudesse levantar minha defesa.
– Eu entendo.

– Gosta mesmo da Aretha, J? Da maneira que ela acredita?
– Não posso penetrar a mente da Aretha, Rosa... Mas posso te dizer sinceramente: nunca amei ninguém assim. Com tanta intensidade, com tanta entrega.

– Eu queria muito acreditar nisso...
– Bem, Rosa, sem querer ser grosseiro... Eu não preciso da sua permissão. Eu me dei conta que não devo satisfação a ninguém. Eu sou maior de idade, vacinado e pago minhas próprias contas.

– Uh! Ok...
– Entenda, só quero dizer que eu não me sinto obrigado a provar nada pra você. Gostaria muito que você acreditasse, mas se não acredita...

Antes que eu completasse, João voltou.
– Trouxe outras coisas que não “tavam” na lista, mãe... Tipo ovos, açúcar, farinha...
– Ok, filho, coloque no carrinho. Vamos embora. – Ela respondeu para o filho, mas ainda me encarando.

– Se vai fazer bolo, tem que ter essas coisas, né?
– Tá bom, João. Já entendi! – Rosa disse impaciente.

João largou as coisas no carrinho e se aproximou pra se despedir.
– Tchau, tio J! É melhor eu obedecer que parece que ela tá com a macaca hoje...
– Você acha? Hummm... Não percebi não... – brinquei. – Vai lá, Joca!

– E ah! – Ele murmurou para Rosa não ouvir. – Não se liga nessa coisa de jornal barato não, tio! Posso te falar? Minha prima é show, e não podia ter arrumado um namorado mais legal!