sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Desencontros

Dentro da minha lógica, eu ficava inventando desculpas, e não enxergava que, ao mesmo tempo, abria espaço pro inimigo. Na minha cabeça as mentiras eram inocentes e justificáveis. Mas talvez quem observasse de fora, tivesse outra interpretação.


Tanto Júlia quanto Gabriel não achavam aquilo uma boa idéia.
– Mas, pai... Se você pretende que aquela seja a casa de vocês... Não devia perguntar o que ela acha? Perguntar como ela gostaria que ficasse? – Questionou Gabe.
– Não quero que ela pense que estou pressionando. Eu desejo muito mesmo que ela vá morar comigo. Mas entendo que ela não viveu nada... Ela é tão nova! Porque se prenderia num casamento tão cedo?


Júlia respondeu tão rápido que parecia simples:
– Por que ela te ama, pai.
– Não sei se isso é suficiente... – Eu só sabia que era para mim.


Ela explicou seu ponto de vista:
– Pai, eu não acho que experiência seja tão importante assim pra isso. De mais a mais ninguém é obrigado a viver pra sempre junto... Se não der certo, por qualquer que seja o motivo, é só cada um seguir sua vida. Simples assim.

Eu me abati com sua última constatação. Era uma realidade, mas não acredito que passasse pela cabeça de ninguém que estivesse iniciando uma vida a dois.


Gabriel percebeu e completou:
– Não que eu ache que vai acontecer com vocês...  Mas concordo com a Júlia. O que você tem falado pra ela?
– Desculpas... Digo que ainda estou procurando, que não achei... Se não posso almoçar invento uma consulta médica, ou um encontro com um amigo, o algo que eu precise fazer... Eu não sou tão à toa assim, sou?


– É!

Os dois responderam com tanta convicção que comecei a achar que realmente devia encontrar alguma coisa pra fazer.


Eu estava agindo como um idiota desprezível. Mentindo de um lado, com ciúmes infundados de outro. Ainda por cima, notei que Aretha ficava mais melancólica à medida que minhas ausências ficavam maiores. Agora eu visitava as obras com Rhea praticamente todos os dias. E perdia várias horas com isso.


Em compensação, o número de vezes que encontrava o tal monitor em companhia de Aretha aumentava junto. Mas como poderia culpá-la ou acusá-la se eu mesmo não estava lhe dando atenção?


Acontece que certo dia, as coisas saíram um pouco de controle.
Eu bati e abri a porta da casa de Aretha, como costumava fazer sempre que ia lá. Entrei já procurando por ela pelo hall, e iria direto ao seu quarto, se não tivesse percebido um movimento na sala de estudo.


Daí, eu me deparei com uma cena completamente natural, mas que me fez ter pensamentos ruins. Muito ruins. Aretha, Thomas e alguns livros e papéis estavam esparramados pelo chão. O que quer que estivessem estudando, parecia muito divertido. As gargalhadas de Aretha enchiam a sala.


Parei por alguns segundos sem falar nada. Não sabia se tossia, se dizia oi, ou se esperava até que me notassem. Mas não demorou tanto quanto eu imaginei. Thomas me viu primeiro, e deve ter feito algum sinal visual para Aretha, que estava de costas.


– Oi, J! – Disse Aretha levantando-se, quando me notou parado atrás dela.
– Fala, cara! – Cumprimentou o Sr. Simpático, com um sorriso idiota. – Tudo beleza?


– Tudo beleza... – Respondi e o encarei. – Você já não é formado, pós-graduado, e outros “ados”?
– Ah... Sou... – Ele disse ao mesmo tempo em que se levantava. – Só estava ajudando Aretha com uma pesquisa.


– Isso vale? – Duvidei. Ele era monitor, caramba!
– Como assim? – Perguntou Aretha confusa.


– Ué! Monitor não significa que ele é “ajudante” de professor? – Eu fiz pouco caso de propósito. – Isso é trapaça!
– Eu não estou dando a ela nenhum gabarito de prova, Jack... Fique sossegado, se essa é sua preocupação.

É óbvio que essa não era a minha preocupação.


Fingi que não queria quebrar seu septo e perguntei para Aretha:
– O Thales tá aí? Quero saber se ele não quer correr enquanto vocês terminam essa pesquisa... – Havia sarcasmo em cada palavra que eu dizia.
– Tá... Mas seu eu fosse você não subiria... Tem algum tempo que ele está lá em cima com a Alanis... – Aretha aconselhou.


– Bom... Então eu acho que vou dar uma volta até vocês terminarem. – Eu tentava parecer casual, mas tinha absoluta certeza que se meu olhar possuísse lasers, o cara do “sorriso colgate” cairia morto.
– Nós já terminamos, Jack. – Quem estava falando com ele? – Ela toda sua.


Eu não sei se ele quis fazer uma piada inocente, ou se realmente estava debochando da minha cara. Não me interessava. Apenas enfiei o dedo e sem seu peito, e ameacei:
– Não brinque comigo!


O monitor não esboçou nenhuma reação e isso me enfureceu ainda mais. O que ele pretendia? Eu não sabia. E aquela inércia fazia com que eu parecesse ainda mais errado.
Aretha também não se mexeu. Acho eu que estava perplexa. Eu tinha passado dos limites?


Thomas me ignorou por completo e voltou-se pra Aretha. Ele segurou seu rosto ao despedir-se e eu achei pura provocação.
– Te vejo amanhã, na aula.

Ela não encarou nem a ele nem a mim e eu contei até 10.


Aretha esperou o Sr. Sorriso sair pra falar comigo.
– Que diabos foi isso, Jack?
– Isso o quê? – Tentei disfarçar. Impossível.


Aretha foi paciente comigo.
– Essa cena... Essa demonstração gratuita de virilidade. O que foi? – Ela parecia aborrecida, mas falou baixo.
Eu teria dado um berro comigo mesmo. Aliás eu estava fazendo isso neste instante, internamente. Que atitude infantil e descabida!


No entanto eu estava envenenado pelo ciúme. Sentia minha glote fechar.
– Esse... – Preferi não completar. – Ele está nitidamente dando em cima de você, Aretha.
– Ele foi meu vizinho a vida toda e nunca deu em cima de mim, J!


– Porque você era uma criança!

Aretha lançou um olhar que me fez ter pena de mim mesmo.


Em seguida, ela me abraçou.
– Você é tão bobo! Olhe pra você e diga como posso pensar em alguém melhor pra mim? – Eu teria uma lista infinita. Mas aquele panaca não estava incluído nela! – Eu te amo, J. Você é muito mais do que eu mereço, então, por favor, comporte-se como meu verdadeiro super-herói.


As coisas não mudaram muito nas semanas seguintes, exceto pelo meu autocontrole. Eu comecei a me conformar em encontrar o cara dos dentes areados volte e meia rodeando Aretha, como uma naja... Pronto pra dar um bote. E eu a deixando de bandeja.


O que me deixava mais tranquilo, é que Aretha não parecia nem um pouco interessada nele. Mas ela também não acreditava que Thomas a cobiçasse como eu conseguia enxergar, homem que sou. Olhares e trejeitos do “amiguinho” não passavam despercebidos por mim. Mas tudo que eu menos queria era brigar com ela.


A casa estava ficando pronta, o casamento de Júlia estava chegando e a partida de Gabriel também. Acontece que as férias chegaram antes de tudo. Aretha surgiu com a novidade de viajar. E pior, o convite partia de uma colega de faculdade, alguns dias de aventura com “a galera da facul”. Não era pra mim.


– Anjo, não posso me ausentar desta maneira às vésperas do casamento da Júlia.

Sabemos que isso era uma grande lorota. Eu não estava contribuindo com quase nada a não ser dinheiro. Aretha faria mais falta que eu.


– Está tudo praticamente pronto, J. O que não está não depende de nós, e sim do cerimonial e dos serviços. Vamos! O Thales e a Alanis também vão...
– Mas tem a viagem do Gabe também, e se ele precisar de alguma coisa?


– Tá certo... – Ela se rendeu, desanimada. – Você tem razão e foi falta de sensibilidade minha... É muita coisa acontecendo... Seus filhos precisam de você... Viajamos noutra ocasião.

Eu me senti um lixo. Não que não devesse atenção a meus filhos, mas eles de fato não precisavam de mim nem um pouco.


Eu estava envolvido demais com a pequena mentira acerca da casa e agora ela havia tomado proporções maiores e envolvido outras pessoas. Gordo assentiu, mas não gostou nem um pouco e deixou isso bem claro. Ele e Herman eram meus álibis perfeitos, quando não havia desculpas.


A outra verdade é que eu não sabia se aguentaria conviver com aquela garotada. Não digo meu cunhado e minha afilhada, mas mais de 5 garotos juntos nessa idade, não costuma dar muito certo, isso é algo que aprendi, ninguém me contou. Daí surgiu a estúpida idéia, mas que vinha a calhar:
– Aretha, porque você não vai? Não precisa deixar de ir só por minha causa...


– Porque não tem a mesma graça sem você, J. Não preciso ficar repetindo isso, preciso?
– Anjo, você não pode pensar assim. As coisas têm que ser divertidas pra você com ou sem a minha presença. – A intenção por trás podia ser sórdida naquele momento, mas não era mentira. Principalmente se considerássemos o fator tempo.


– Você já está querendo se livrar de mim de novo... – Ela falou só de manha, não era sério, mas aquilo me acertou como uma flecha.
– Faça como quiser, Aretha.

Eu não podia falar mais nada, se eu tentasse mais algum artifício para convencê-la eu seria um desgraçado.


Ela me abraçou.
– Sério que você não vai ficar chateado se eu for? Nem vai sentir minha falta?
– Aretha... Uma coisa não tem nada a ver com a outra, deixa de ser manhosa. Claro que vou sentir saudade, mas é óbvio que não vou ficar chateado de você ir sem mim! As pessoas costumam ter suas vidas, mesmo as casadas, sabia?


– É que... – Ela parecia procurar uma forma para me dizer. – O Thomas também vai, a Priscila convidou...

Isso mudava tudo. O que é? Por quê?! Desde quando ele virou coleguinha?!
– Pensei que fosse só o pessoal da sua faixa etária... Um dos motivos pra eu não me enquadrar... – Tentei fingir que não me importava. Quase engasguei.
Na realidade eu só não estava histérico porque sei que o Thales estaria lá.


– Como você fala bobagem, J! Eu não chamei você?! Não disse que tinha limite de idade! Mas Thomas nem é tão mais velho que eu... São só dez anos de diferença! – Isso foi um desafio? – Desculpa se parecemos um bando de retardados, para você...

Ela ficou chateada... Mas eu também estava aborrecido, apesar ter ciência de ser o errado em toda esta história.


– Dez ou vinte e cinco, isso não parecia ter muita importância pra você... Nem acho que vocês parecem retardados, Aretha. Apenas não vejo mais graça em algumas brincadeiras e piadas. Mas você precisa mesmo estar mais com seus amigos.


Ela ficou chocada:
– Não me importa! – Seus olhos encheram d’água. – Como pode dizer isso pra mim a esta altura! O que está acontecendo com você, J?

Droga! Porque eu sempre tenho que estragar tudo, agindo como um imbecil? Não suporto ver Aretha chorar. Ainda mais por minha causa. Tentei amenizar:
– Deve ser o que chamam de crise da meia idade!


Ela não levou na esportiva.
– Está querendo me dizer alguma coisa?
– Como assim? Dizer o quê? – Que pergunta era aquela?


– Eu sou nova, sim, Jack... Birrenta, impulsiva... Mas não sou idiota. Você ultimamente anda sempre ocupado... Não tem mais o tempo que tinha pra mim, agrediu meu amigo de bobeira... Se estou te sufocando, pode falar, vai doer menos do que te perder.

Eu devia ser mesmo um monstro, para fazê-la pensar que a errada era ela. Porque Aretha era sempre tão absurda?


– Não! Claro que não! Anjo, você não me sufoca... E nunca vai me perder... Nunca... Eu juro que vou me esforçar para me sentir a vontade no meio dos seus amigos. Só não posso viajar agora... Não gosto nem um pouco da idéia de Thomas também ir! Mas posso contar com meu cunhado pra cuidar disso... – Provoquei.

Aretha, enfim, abriu um sorriso.


Eu não queria mais insistir com Aretha para que viajasse. Até porque, no fundo, abominava o fato Thomas estar incluído nesta história. Mas pelo que soube o convite partiu da dona da casa, que, segundo a própria Aretha, estava “a fim” do Sr. Simpático. Acontece que Thales e Alanis estavam muito animados, e insistiram com ela.


– Tem certeza mesmo, J? Posso ir tranquila?

Devia ser a milionésima vez que ela me perguntava isso. Desta vez por telefone. Resolvi implicar.
– Hummm... Não! Não pode! Pensei melhor, fique aqui comigo!


– É sério? – Perguntou confusa. Eu tinha certeza que ela havia enrugado o nariz.
– É claro que não, tolinha! Quantas vezes já falei?! Está tudo bem.


– Mas você vem se despedir, né?
– Apesar de serem poucos dias e nem ser tão longe assim... É claro que vou, Anjo! Passamos o dia juntos hoje, que tal?


– Perfeito! Te amo. J!

Não mais do que eu a ela, tenho certeza.


Assim que estava pronto pra sair, percebi que havia 3 chamadas perdidas no meu celular. Eram de Rhea, achei melhor retornar:
– Alô. – Atendeu ela.
– Rhea, é Jack. Você me ligou?


– Liguei... É que parece que tem um molho de chaves aqui querendo voltar pro seu dono.



2 comentários:

  1. Mew! Como ele se enrola na própria mentira e no seu ciúme! Aff!
    Fico nervosa com ele!

    AMO!
    bjosmil! *.*

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  2. Cara, como só nós que vemos isso?! Hauhsauhsuahs! Eu tive vontade de esmurrá-lo muitas vezes -.-"

    Bjks

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